Domingo, 18 de Fevereiro de 2024

A noite e as corujas

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acima de nós

a noite e as corujas cantam

como se a luz apenas dormisse

ou fosse à esquina onde sentado

alguém sopra uma harmónica

para embalar os gatos e os donos sonolentos

 

abaixo de nós a terra

e os mistérios que se adensam nas grutas

e nas estalatites milenares

 

e nós

no húmus fermentado dos corpos que foram

de outros mas que amanhã serão os nossos

 

e nós

nas raízes dos prados que ao sol

germinarão verdes no mundo do meio

no perfume sem tempo dos nardos e das Rosas

 

#rosas #nardos #prados #sol # 


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 14:08
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Sábado, 30 de Dezembro de 2023

Inverno (II)

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hoje os afetos são outros.

saíram os que o tempo levou

e entraram os que o tempo trouxe.

 

as ternuras de ontem não são as de hoje

e nem as brasas maternas estão vivas,

porque os abraços arrefeceram na distância.

 

hoje há tanta indiferença por aí .
tanta.

 

às vezes penso que só o meu cão me permanece fiel.

à minha frente olha-me porque me adora.

e se eu desvio os olhos ele desvia os dele

com os meus, para continuar comigo nos seus.

 

e não há inverno que resista a olhos tão doces.

a tanto calor.


#inverno #calor #indiferença #ternura

 

 

 


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Sábado, 23 de Dezembro de 2023

No Inverno ( I )

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ao fim da tarde e com o sol baixo

há uma tristeza imensa no céu,

que se vê nas águas

e me faz querer voltar a casa.

 

lembro-me da impaciência que tinha

em garoto, quando a  casa podia esperar

porque moravam na rua as minhas ambições.

 

corria, corria, corria

atrás do frio  para que ele me soltasse

no toca e foge habitual da brincadeira.

 

nada em casa me fazia feliz

para além dos braços abertos da minha mãe.

 

quentes como as brasas

e mornos como ela mos sabia dar.


#inverno #luz #poesia #mãe

 

 


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Segunda-feira, 27 de Novembro de 2023

Perto

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talvez seja mesmo assim, mas hoje sobrevivo

melhor sem o frio que em forma de vento

fustiga, impiedoso e desumano

quase como gelo, 

o calor do lume brando que a lenha liberta 

e as brasas sinalizam, na lareira.

 

talvez seja da idade, eu sei!

mas hoje sobrevivo em paz comigo

quando à noite, contigo perto, 

as nossas mãos e olhos improvisam 

caminhos por lugares incertos, 

com adufes, sopros e cordas em cantiga.

 

mais a certeza de uma ternura  

e de um travesseiro onde possa encostar, 

tarde ou cedo, sem reservas visíveis,

de qualquer maneira, sem medo,

tudo.

tudo quanto queira.

 

 


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Quarta-feira, 22 de Novembro de 2023

O Todo e as Partes

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#1

caiu um copo.

partiu-se com estrondo no chão!

juntei as partes.

estavam lá todas as peças do puzzle,

mas o copo não…

 

presumi sem reservas

como faço nas conversas,

que o todo seria mais que o somatório das partes.

mas não foi só presunção.

porque afinal eu tinha os cacos todos, mas um  copo?

um copo, não!

 

#2

seria fácil construir um homem se o todo não fosse mais

que o somatório das partes. 

o Frankenstein e o Pinóquio seriam modelos perfeitos,

perfeitos modelos de gente.

seriam... se o todo não fosse o que é 

ou fosse diferente.. 

   


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Terça-feira, 18 de Abril de 2023

Há dias assim (II)

há dias assim

levantamo-nos e à janela

o ar dá-nos esperança ao corpo

e uma certeza profunda aterra-nos no coração

como se fosse na alma

 

há dias assim

quase luminosos

quase perfeitos

que nos chamam pelo nome

que nos prendem pela mão

e nos falam da Liberdade

e do paraíso na terra

 

há dias assim em abril

o mês de todos os sonhos

o caminho de todas as naves

o tempo de todos os cravos

 

há dias assim


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Quinta-feira, 1 de Dezembro de 2022

O teu retrato

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os cabelos esfumados na testa com um risco

definido aqui e além;

o traço das abas do teu nariz, o teu rosto a descansar

no teto de ambas as mãos;

o contorno circular das iris, a curva dos lábios;

o tempo difícil dos teus olhos

e as pestanas desenhadas com precisão;

o rebordo do queixo pousado,

o esboço visível dos lóbulos,

delimitados, difusos, intemporais.

 

descrever-te é desenhar o teu retrato.

 

Imagem daquiu: https://www.ataluz.com.br/decoracao/escultura-decorativa-rosto-de-mulher-apoiado-sobre-as-maos


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Domingo, 20 de Novembro de 2022

Desencontros

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há solidões que encontramos

perdidas ao virar do que fazemos

 

há companhias que encontramos

desencontradas do sentido

que queremos dar à vida

 

como a entendemos

a ela e ao mundo

 

regressamos então aos refúgios perdidos

que vislumbramos às vezes sem saber como

 

mas que mesmo assim nos deixam seguros

quando os vestimos

 

Imagem daqui: https://addicted2success.com/life/being-alone-with-yourself-is-the-most-important-skill-we-have-lost/


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Segunda-feira, 30 de Maio de 2022

Até sempre Marilyn

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no banho Marilyn escutava os contornos

das linhas curvas e o timbre da própria voz

 

sem o baton escarlate

sem o blush marmóreo

sem os finos saltos altos que não a deixavam ficar

em bicos de pés no banho

a estrela ficava despida e até se julgava

uma mulher vulgar

um meteoro sem história

 

mas quando se vestia toda de branco-marfim

o ar quente exalado pela grelha

do subway de New York levantava-lhe a saia

dos pecados

e sabia-se que eles moravam ali mesmo

e não ao lado

 

foi quando na Broadway os anos eram de perfume

e os dias lavados com a essência de Chanel Number Five

e as horas com a flagrância de Rose Geranium


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Sexta-feira, 1 de Outubro de 2021

Falsos ingénuos

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Dizia Pórcio Festo a Paulo em Cesareia,
Que os equinócios não são falos nem sereias
Que brotem dos outonos e primaveras.

 

Respondia Paulo a Pórcio Festo que na Judeia
Há partos feitos nos umbigos dos solstícios,
De onde nascem touros indiferentes e feras,
loucos, primícias, prelúdios, mansos e parvos.

 

Falsos ingénuos e alarves!

Imagem daqui: http://www.monedasarqueologicas.20m.com/#Porcio%20Festo


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Quarta-feira, 22 de Setembro de 2021

Nem deuses nem mestres

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nem deuses nem diabos,

nem mestres nem discípulos,

sem passado nem futuro,

sem tempo.

 

de olhos nos olhos

dos outros.

de cara a cara, hoje.

sempre!

 

imagem daqui:  https://www.bbc.com/portuguese/geral/2016/05/160508_diabo_vermelho_chifres_rb


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Quarta-feira, 4 de Agosto de 2021

À bolina...

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navegarás à bolina pelas estradas,

com o céu a bombordo

e à direita a terra que te pesa.

ao ouvido dizem-te que os figos estão verdes

mas que a figueira está madura

sem nunca ter florido.

 

sabe quem entende e conhece

que as árvores da vida se agarram à terra:

profunda quando querem chegar ao céu;

à poeira quando lhes basta existir.

 

navegarás à bolina pelos caminhos,

com rios férteis a estibordo

e à esquerda o deserto semeado de pedras,

lápides repletas de juramentos e epitáfios.

 

sabe quem entende e conhece

que as margens do Nilo são férteis.

benditas as areias que ele fecunda,

benditas as dádivas de tâmaras adultas.

 

navegarás à bolina pela cidade.

à bolina pelas vielas e becos inseguros,

onde o bombordo fica no lado mau rua

e as estrelas dormem na espuma,

contigo na cama.

 

sabe quem entende e conhece

que todas as árvores da vida estão inacabadas.

há tristezas nas águas sujas do Ganges

esperanças nas águas sagradas do Tejo.

 

Imagem daqui: https://g1.globo.com/natureza/noticia/justica-indiana-declara-rios-ganges-e-yamuna-seres-vivos-com-direitos.ghtml


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Domingo, 20 de Junho de 2021

Frágil

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Delicado como um fio de seda crua,

frágil como a inocência do perfume.

 

Efémero na cor, colorido na música,

doce na pessoa e plural no número.

 

Sem tempo no verbo, quieto no modo.

 

O amor. 

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Terça-feira, 4 de Maio de 2021

Eram teus

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Eram teus todos os dias! Meus apenas os outros.

Os que ficavam nas margens estreitas

dos rios que navegavas e vias.

Aqueles onde os gentios vêem escritas,

espelhadas na água, as palavras que te definem,

as âncoras que os fazem loucos. 

 


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Sábado, 10 de Abril de 2021

O Bairro ( II )

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Na feira da Ladra ladram os cães.

A caravana passa repleta de bugigangas:

roupa usada, muitas calças de ganga

que gente séria e os sacanas dos ladrões

expõem no chão e vendem ao desbarato.

 

A guita certa tem os seus dias. A loiça velha,

os pratos de Sacavém, têm preço

incerto conforme a cara de quem compra.

Como convém.

 

São Vicente de Fora, dos espanhóis,

filipinos de má memória.

Ao Beco dos Loios e a Santa Marinha

chegam guitarradas sopradas de Alfama.

E Amália em correria do Panteão às escadarias

do convento, de olhos no céu, cabelo ao vento

e voz na terra, a bater o pé :

“são caracóis, são caracolitos,

 são os espanhóis, são os espanholitos”...

 

E a feira sempre repleta de bugigangas!

Roupa usada de magalas, calças e calcinhas,

fechaduras, bengalas de pau preto e de marfim,

louça nova, velha, rachada, tostões furados,

chaves ferrugentas, tudo e nada.

 

Tudo se vende na Feira da Ladra.

 

 

Imagem daqui: https://viagemparalisboa.com/feira-da-ladra-em-lisboa/

 

 


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Quarta-feira, 7 de Abril de 2021

Sursum Corda!

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o guru insiste em dizer-nos que somos uma expressão

de deus. do deus bom, que o mau não tem dimensão

que nos valha, nem conta para a salvação de ninguém.

nem de mim, nem de ti.

 

e nós de mãos erguidas ao céu e de rosto ao sol

convencidos que somos uma expressão de nós

mesmos! só de nós!

 

e nós, com a dimensão do coração que temos,

a pensar que estamos aqui por que sim:

ora perante os outros, ora sujeitos ao mau feitio

dos elementos e da intempérie que nos faz estar vivos.

enfim, correr e sonhar.

 

sim! o guru insiste que somos a expressão

de um sonho. de um sonho bom.

 

 


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Sábado, 20 de Março de 2021

Abriremos os olhos

 

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Deixaremos a cidade das alegrias

onde se colhem os risos pouco virtuosos

e se erguem as raízes do tédio.

Destruiremos os velhos relógios mecânicos

que medem o tempo sem a eternidade do Sol

e dos girassóis.

Em silêncio sairemos ilesos do que somos

e nada nos faltará quando chegarmos a nós.

Então, lado a lado, abriremos os olhos

e regressaremos sem máguas aos dias imensos.

 

 

Imagem: Ericeira - LNM

 


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Domingo, 28 de Fevereiro de 2021

O Bairro ( I )

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Um café negro acorda-me

e uma água fresca lava-me por dentro.

Para a manhã que já vai alta

no Bairro Alto.

 

Na rua do Norte o sol anda pelos telhados

e nem os beirais confessam os caminhos para Sul.

 

Eu passava por aqui há muitos anos,

quando era jovem há menos tempo

e a alegria que tinha nos pés

fazia-me andar com uma pressa

que já não tenho.

 

Perdido, descia as pedras sujas.

Era tudo tão soturno logo pela manhã!

 

Vinha da Travessa da Queimada ao Poeta

e as varinas às esquinas vendiam

o peixe que podiam em pregões

que gritavam a sorrir.

Das tainhas aos carapaus de gato,

das fanecas, às douradas e sardinhas.

Santo António mandava, do sermão,

peixe pobre para os gentios.

e gatos de estimação

 

No Camões o vinte e oito corria à Estrela

e eu corria ao Calhariz, onde embarcava.

Custava menos...

 

Não havia grafitis, só tipógrafos

que rumavam a casa para regressar

à noite à tipografia, quando não havia fauna.

Só flora muito perfumada,

às vezes sem graça, que emergia do patchouli

e que ao fundo das escadinhas do Duque

já marcava terreno e odores até ao Rossio,

Coliseu e Restauradores.

 

Foto daqui: https://www.playocean.net/portugal/lisboa/bairros-historicos/bairro-alto


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Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2021

À sua maneira...

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Poderás sentar-te nos jardins, à beira rio.

O Sena aos teus pés, a água turva, o tempo denso.

Uma velha concertina no ar húmido da manhã,

em Paris.

 

Poderei sentar-me nas escadarias de Roma,

nos jardins de Copenhaga e da soturna Londres.

Nos suspensos da Babilónia,

onde Dario e Alexandre amaram sem pudor.

 

Poderemos rezar nos jardins de pedra

de Nagasaki e de Hiroxima.

 

A redenção aos nossos pés!

 

A água pesada, os relógios parados,

uma flauta de bambu ao vento, à nossa imagem.

 

Lamberemos as feridas.

Poderás curar-te.

Poderei curar-me.

 

Afinal, todos os jardins nos redimem

e todos são belos.

À sua maneira

 

Imagem daqui: https://ar.pinterest.com/pin/391039180147858544/

 

 


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Quinta-feira, 4 de Fevereiro de 2021

Rafeirinho

 

 

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O meu rafeiro nunca conheceu cadela.

Depois de adoptado ficou citadino,

matreiro urbano, capado.

 

- Anda Ludovico, deixa-te disso!

Marcar terreno é coisa de cão, é vício.

 

O meu cachorro é mijão.

Sai de casa pela trela e de mijadela em mijadela

faz questão de me dizer que afinal

e até ver, ainda é cão.

 

- Anda lá, deixa-te disso,

que marcar terreno não é preciso.

 

É que nem capado deixa de querer

o prazer das mijinhas que podia fazer,

sem demoras, em qualquer lado.

 

- Anda Bobi! Esquece!

Deixa, que deixar sinal para outros, não é para ti.

Afinal não tens caprichos, nem me parece

que os vinténs que ainda tens

alguma cadela os mereça.

 

Nos passeios, ruas, jardins e prados,

ele cheira tudo muito bem cheirado.

Levanta a perna, segura o muro

e deixa tudo muito bem mijado.

 

- Anda cachorro. Vem dai!

Que Ludovico dizem que era

um príncipe louco da Baviera.

Louco varrido e assim lembrado.

 

Anda rafeirinho que aqui é Lisboa.

Cidade das canoas, do Tejo.

Terra do fado.

 

 

Na foto o meu Ludovico


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Terça-feira, 19 de Janeiro de 2021

Quem diria

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Quem diria

que nestes tempos maduros estaria aqui sentado

à lareira, aconchegado ao sorriso do teu xaile.

Quem diria.

 

Quem poderia saber como seria eu

agora, depois de tantas luas,

tantos dias, invernos sem lareira nem xaile.

Sem agasalho.

 

Quem diria que eu chegaria intacto

ao mundo que vias, à terra prometida

de que me falavas sem dizer.

 

Quem diria, mãe.

Quem diria.

 

Foto daqui:

https://www.luzepaz.org/wp-content/uploads/2013/05/artigo-crianca-colo-mae.jpg


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Segunda-feira, 11 de Janeiro de 2021

Sempre o mar...

 

 

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E depois o mar, sempre o mar.

 

Como rendas gráceis , as algas

mais as pérolas de sal

nas escamas vestidas por Salácia.

 

E também a espuma, sempre a espuma.

 

As efémeras e húmidas núvens, a bruma

que Venília traz aos pés de Neptuno.

 

À fronteira da praia, onde é estrangeiro.

 

 


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Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2020

A última ceia de 2020

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Com toda a paciência cristã

perguntava Ele à companheira do lado:

 

- Ó Madalena, minha querida, a ceia está validada?

 

E ela com algum enfado respondia,

com os olhos no teto e aparente afã:

 

- Maldita pandemia, olhos dos meus olhos!

  Maldito bicho, meu querido Jesus,

  que nesta última ceia por capricho nos permeia

  e teima ficar entre nós.

 

E ele de olhos ao alto, como ela,

levantou os braços e deixou-os cair.

E assim ficou, pensativo e alheio.

Não partiu o pão,

não distribuiu o vinho.

 

Olhou de Judas a Tiago, seu irmão,

e de Simão a Pedro que seria o primeiro.

 

E a todos disse baixinho:

- Somos treze à mesa, a contar comigo!

  Ou o décimo terceiro será qualquer um de vós.

  Aqui, nós partilhamos o amor, sem sobressaltos.

  O pão que a terra nos dá

  O vinho e as uvas dos planaltos de Judá.

 

Madalena falou ao ouvido de Pedro

que sorriu com ela, divertido.

 

- Que dizes Madalena? – interpelou o Mestre.

- Olhos dos meus olhos, meu querido Jesus,

   mais de seis à mesa não se usa agora,

   em tempos de pandemia.

 

- Mas não sou Eu a Segunda Pessoa?

- És! Mas que Judas não se apague,

  ou ficará por cumprir a profecia.

 

 

 


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Sexta-feira, 6 de Novembro de 2020

Ao cimo das escadas

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Só eu sei como gosto de chegar,

que nem o Profeta, passo a passo aos sete céus.

Contente o faço, satisfeito fico!

E nada me afeta quando de peito aberto

vou ao encontro do incerto espaço.

 

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Juntos e depois à vez, saltitando

de frente, de mansinho salto.

Ligeiro no passo e quando não de lado,

chego consolado e sem cansaço.

 

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Respiro fundo, fundo respiro,

que cinco por patamar é obra

e contar é o meu destino.

 

Irra! Que os anos pesam nas pernas,

que dobram e badalam como sinos

confinados ao limbo e ao paraíso.

Ou será inferno?

 

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Que à dúzia fica mais em conta

e eu conto mas não meço.

A que preço! A que preço!

 

Mea culpa! Mea culpa!

Por minha tão grande culpa!

Deus meu, como pesam a idade,

a eternidade e a consciência nestes dias.

 

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Assim, de uma vez e sem dobrar

dá gosto subir e descer,

chegar e sair.

 

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Como dois octógonos concorrentes

ou polígonos perpendiculares.

 

Com música em duas oitavas,

e auriculares para oito orelhas.

 

Com dezasseis cabras, oito prenhas.

E leite, muito leite

nos vértices das ovelhas.

 

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Conto, conto e não me canso de contar.

Depois do nove está o zero vazado

e depois do zero vazio sei lá que fado.

 

Ah! Pernas para que vos quero!

Que raio de vício este, aquele que tenho.

O de contar os degraus das escadas que subo

e de contá-los de volta, quando desço.

 

 

Créditos foto - imagem daqui: https://br.freepik.com/fotos-premium/estrutura-de-escadas-na-rua-arquitetura-na-cidade-de-bilbao-espanha_7554996.htm


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Terça-feira, 20 de Outubro de 2020

És louco

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Era junto ao limite que estavas.

Encostado ao muro, à incerteza

do ter ou não ter de acordar para fazer

da vida um tempo em que viver fosse mais

do que estar vivo.

 

Que fosse dignidade.

 

Dormias nas dunas, nos limites do mar,

na praia.

Ali, sonhavas com as certezas certas

dos paraísos que ainda não tinhas

na terra, com os desertos de areia

floridos de colmeias, férteis em mel,

sem azares e carregados do açúcar

que só os sonhos conseguem dar.

           

Ou dormias no chão, nos limites do céu,

junto aos torrões que lavravas.

E de manhã era o deserto, incerto

como sempre,

porque a chuva não caia ou caia brava

e a terra não dava frutos nem sementes.

Só cardos, revolta e pó daninho.

 

Mansos, mansos são os cordeiros.

 

Bem podes correr a lavrar o mar,

pescar os frutos da terra,

pastar os teus desejos de paz

e de senhor da guerra.

 

É louco. És louco.

 

A mesa poderá estar sempre posta,

mas todo o pão será pouco

para quem sonha.

 

 

Imagem daqui: https://www.spaltron.net/o-mundo-de-gaya/o-caminho-do-louco-o-processo-de-individuacao-e-os-22-arcanos-maiores-do-tarot/


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Terça-feira, 13 de Outubro de 2020

Grito eu

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a memória dos que vivem não pode morrer

assim, como os teus olhos soçobraram

 às mãos dos algozes.

 

a história dos que morreram está viva,

como no percurso que fizeste

a caminho da morte.

 

não sei se alguém levantou a voz

ou gritou no dia em que caíste.

não sei!

 

grito eu agora por ti

e levanto a voz por quem resiste.

 

Foto daqui: https://www.terra.com.br/diversao/a-brasileira-por-tras-da-foto-de-auschwitz-que-viralizou,df5b169b120b1dff49a4c430e458abb6qvmeghu3.html


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Terça-feira, 6 de Outubro de 2020

A lucidez dos sonhos

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I

Tristes.

Tristes melodias despontam

das tristezas que tenho,

às vezes sem jeito.

 

II

Alegres.

Alegres melodias nascem

das breves alegrias que desenho.

Às vezes nos outros

e outras no meu peito.

 

III

Não!

Não serei indiferente

à cegueira, à surdez,

ao chorar e ao rir,

à lucidez dos sonhos, às utopias.

 

Não serei indiferente

ao chegar e ao partir,

à escuridão das noites

e à claridade dos dias.

 

imagem daqui: https://segredosdomundo.r7.com/sonhos-lucidos/


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Quarta-feira, 26 de Agosto de 2020

Contento-me com as tardes

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Já não procuro as imperfeições

nem as quedas de água na paisagem.

 

Sei que as ruas ao perto são fendas

que ao longe são vales distantes,

rugas lavradas no tempo da terra.

 

Já não procuro os amanhãs que cantam

nem vozes versáteis em muitas oitavas.

 

Contento-me com as tardes, só com as tardes.

E contigo que ao sol tardio te debruças 

e aguardas, encostada ao parapeito,

que a lua espreite na penumbra.

No recorte frio e misterioso da noite.

 


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Quinta-feira, 20 de Agosto de 2020

Não desisto!

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Não desisto!

 

Conduziram-me pelo braço ao muro

e ali fiquei.

A impotência tinha-me tolhido a vontade

e viver assim deixava-me envergonhado.

Não me vendaram porque não quis.

Queria fitar os olhos dos meus algozes,

 ver neles o medo, porque os senti medrosos.

 

À ordem do oficial um jovem imberbe

colocou a arma ao ombro e saiu do pelotão.

Dirigiu-se a mim e colocou-me de costas,

voltado para a parede.

O muro era branco e eu não suportava tanta Luz.

Reparei que a cal mascarava sangue

e que as fendas do muro sombreavam

a claridade, como crateras.

 

Na cal salpicada de riscos de sangue

vi tudo quanto tinha visto,

como se abrisse o diário que nunca escrevi.

 

Cerrei os olhos e aguardei pelo fim.

Antes da ordem, a sombra do jovem imberbe

soçobrou e ajoelhou-se com ele.

 

Ergui o punho e disparei a Palavra:

Fraternidade!

Fraternidade!

Fraternidade!

 

E o branco tingiu-se com o meu sangue.

 

Mas não desisto!

 

 

Imagem: Luísa Rivera - 100 anos de solidão


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Quinta-feira, 23 de Julho de 2020

Cega-rega

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I

com tanto calor já nem durmo!

incomodam-me as cigarras, que à noite

cantam à lua como se estivessem ao sol.

quem disse que as cigarras não cantam ao luar?

quem disse?

II

disfarçadas entre as laranjas verdes

é vê-las ao despique com os grilos,

com elas a cantar o fado vadio

e eles à guitarra, gri-gri gri-gri, 

a correr atrás do canto da cigarra.

III

“ cantarei até que a voz me doa” diria Amália.

mas a gritaria desta bicharada sai-lhes das asas,

numa cega-rega que irrita sem tréguas

os frutos do meu pomar.

ah! felizmente as laranjas são pacientes,

as árvores são pacíficas e a Amália,

que Deus tenha, dorme serenamente no panteão.

IV

tri tri tri tri tri tri,

com tanto calor já nem durmo!

gri-gri gri-gri gri-gri

puta que pariu o Verão!

 

 


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Segunda-feira, 13 de Julho de 2020

Ausência

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Não deixa de ser curioso,

irónico até,

que eu chegue aqui intacto

na bondade e nos costumes.

 

Lúcido?

Não sei o que é um homem lúcido!

A minha lucidez está no que os outros

veem por mim,

quando conseguem ver.

 

Olho para trás e vejo

que cheguei solteiro de companhias.

Estive eu quando me alegrei

e estive eu, quando me entristeci.

 

Não estavas.

Nunca estiveste!

 

 


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 16:00
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Quarta-feira, 3 de Junho de 2020

A burra do senhor Pombinho

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De calções e de sandálias,

ainda não sabia bem quem era

e já pedalava no meu triciclo

feito de ferro e madeira.

 

Pedalava,

Pedalava,

Pedalava.

 

E quando o senhor Pombinho

parava a burra, tocava a corneta

e chamava para que vissem as frutas

e as verduras que trazia,

eu dava ao pedal e ia pelo quintal.

 

Os pedais guinchavam

e a roda da frente, desconchavada,

dava e dançava ao sabor das pernas.

  

Em ziguezague,

em zaguezigue

 

No largo, frente ao portão,

estava a carroça carregada de frutas,

legumes e hortaliças muito viçosas.

No chão, o descanso caído porque a alimária,

de tão má,  espumava de cansaço.

 

A burra travessa e destravada

mordia os mais incautos e atrevidos.

E o senhor Pombinho dizia:

- Cuidado que ela é falsa!

Só não ladra porque não é cadela!

 

Mas eu sabia que ela ladrava a zurrar

e zurrava a ladrar.

 

Quem se aproximava da carroça,

mesmo sem querer provava as doçuras

que o Pombinho trazia.

As melancias jaziam caladas*

com as entranhas à vista,

os figos desalinhados

e os cachos de uvas negras

ficavam ratados e sem planta nenhuma.

 

E o senhor Pombinho protestava.

 

Com o tempo o homem deixou de aparecer

e eu nunca percebi se tinha morrido ele,

a burra

ou a carroça.

 

Hoje imagino o Pombinho, qual pombinha, a dar às asas,

a carroça desengonçada a voar com ele

e a burra, qual Pégaso, a relinchar aos zurros

pelos céu azul.

 

E eu de calções e sandálias.

 

 

*Calar: Fazer abertura ou corte em certos frutos, geralmente para provar ou ver se estão maduros (ex.: calar a melancia).

 


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Quinta-feira, 16 de Abril de 2020

Véu de silêncio

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I

no dicionário procuro a palavra.

leio que o silêncio é a ausência total, ou relativa,

de sons audíveis e que os surdos vivem

numa cultura silenciosa.

não é este o silêncio de que tanto gosto, não.

mas este silêncio está no princípio do meu silêncio

e é nele que imagino e concebo a ato da criação.

II

quando, com a palavra, o quebro,

trago para fora de mim, e talvez para os outros,

o que penso e a vontade que tenho. quando tenho.

mas porque nada existe sem a Divina Figura

depois da vontade falta o Verbo,

que no princípio era o que ainda é.

III

tudo era negro e vazio

e a palavra quebrou o silêncio

para que a Luz rasgasse o escuro

 e o mundo das formas se visse.

IV                                                                                                                                         

cada melodia é, tão só, ela e ela mesma,

cada palavra é, tão só, ela e ela  mesma.

mas o silêncio é tudo, porque tudo contém.

V

e eu, que vejo o mundo através dos olhos que tenho,

sei que ele é um espelho do que sou.

- queres um mundo diferente?

pergunta-me do outro lado, o silêncio.

- queres?

então, muda!

 

 

 


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Sexta-feira, 31 de Janeiro de 2020

Lamento de mãe

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ao eco dos tambores

quem me abraça?

quem me abraça?

 

quando o vento chega

turvado pelo ruido das botas dos outros

               pelo anúncio metálico das suas espadas

               pelo hálito pesado dos seus canhões

quem me abraça?

quem me abraça?

 

não sinto que as mães alheias

tenham filhos diferentes dos meus

 

quando a rosa dos ventos da Paz deixar de ser Rosa

também elas dirão

quem me abraça?

quem me abraça?

 

imagem daqui: http://valkirias.com.br/batalha-por-sevastopol-lyudmila-pavlichenko-e-participacao-feminina-na-guerra/


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Quinta-feira, 17 de Outubro de 2019

Admiráveis mentiras

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Admiráveis

são as mentiras que nos contam na cidade.

Que a luz apenas ilumina quem merece,

que a vida é como é, porque se não fosse não seria assim,

que o amor, a ser um estado, não será sólido nem líquido.

 

Foge Zygmunt, que te afogas.

Corre, voa, antes que a maré se cumpra.

 

Admiráveis e corroídos são os mitos urbanos.

Puras e castas as laranjeiras do meu pomar

que somam laranjas em contas de somar.

 

Que me digam mentiras.

Que me contem verdades.

 

Que me digam que o merecimento é fruto da escravidão

e que a razão da vida fica próxima do acaso.

Ou que o amor não existe. Só fingimento.

 

Quero lá saber!

Sou livre de acreditar.

 

 


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Segunda-feira, 16 de Setembro de 2019

Os vidros ( I )

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Os vidros não turvam

o que está para além da janela.

 

O verde continua verde,

o céu azul continua céu

e amarelas as cearas maduras.

 

Para além da transparência

as crianças correm, imprevidentes,

                             tagarelas

                             mas  seguras.

 

Assim correria eu.

Assim correria eu.

 

 


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Terça-feira, 20 de Agosto de 2019

Olisippo

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I

Quero que os velhos mais velhos,

toda a gente sem idade se entregue.

Que das portas abertas ao Tejo

se vejam os mistérios que perduram,

que se perdem e acham na corrente.

 

Porque é bela a cidade, 

quente e majestoso o cio que ela verte.

 

II

Ó Lisboa das Tágides errantes!

Ó colinas que nem Safo, como Lesbos, cantou!

Olissipo que estás na fronteira do céu,

por onde  Ulisses, atento e errante

navega os caminhos do mar.

 

III

Não!

Não canta quem desconhece

quantas as janelas que se abrem para o rio.

 

Quem não vê a espuma da manhã

nem as brumas que invadem as colinas

depois de uma noite fria,

não te pode cantar.

 

 


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Terça-feira, 2 de Julho de 2019

O pomar das virtudes

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Por campos abertos

cheguei ao pomar das virtudes,

onde os frutos são de açúcar

e a fé das árvores se guarda nas sementes.

 

Com as primeiras chuvas

o restolho exalava o hálito da terra

e o sumo doce das cerejas

saciava a esperança dos que tinham sede.

 

E segui por veredas estreitas.

 

Cheguei depois às macieiras: ao limbo, às maçãs.

Lavei-as do primeiro pecado e elas,

grávidas de caridade, deram-se.

Maduras e perfumadas saciaram-me a fome.


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Segunda-feira, 6 de Maio de 2019

Luz de Maio ( I )

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I

 

São brancos e seráficos

os poemas que Hermes declama

aos úberes férteis da mãe.

 

São dádivas que Maya escuta,

escritos que grava no peito

onde mama o filho que tem.

 

São feéricos.

São feéricos os frutos e a luz de maio.

São primícias colhidas no sol dos pomares,

nos prelúdios fecundos do Templo.

No colo virgem das Vestais.

 


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Quarta-feira, 10 de Abril de 2019

Herr Kant

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Encasacado,

encostou a cabeça à porta

e deu-lhe três cabeçadas, ao de leve.

 

Retirou do bolso o relógio e conferiu:

eram quinze e trinta.

 

Rodou a chave e saiu asinha

para a rua gelada.

Olhou para a negritude do céu

e concluiu que o passeio seria curto e frio.

 

E na breve caminhada que fez pela cidade

todos acertaram o relógios à passagem de Herr Kant.

 

Às quinze e trinta e um, o barbeiro da esquina

suspendeu a navalha e olhou para o cuco

que se escondeu depois da cantoria.

 

Às quinze e trinta e cinco a dona da casa de chá,

que ajeitava as iguarias na vitrina,

curvou a cabeça à passagem do filósofo

e bateu com os queixos na torta de laranja.

 

E lambeu-se, sorridente.

 

Às quinze e quarenta começaram a cair

gotas grossas, grossas gotas de chuva.

A intensão do passeio era muito boa

mas era imperioso regressar.

 

E Herr Kant pensou e decidiu,

asinha, caminhar de regresso ao lar.

 

E nunca mais as horas foram as mesmas!

 

Os relógios ficaram à sorte

e no resto do quarteirão

o tempo ficou incerto,

de cama, com o filósofo da razão à morte.

 

“O céu estrelado sobre mim

e a lei moral dentro de mim.”

 

A que horas, Herr Kant?

 


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Sábado, 9 de Março de 2019

FdP

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Releio o Alberto Canela (ou será Pimenta?)

e desde logo me surpreendo!

Então o homem não fala dos pequenos e dos grandes

e deixa no esquecimento os refinados e os refinadíssimos?

 

Que os pequenos aspirem a ser grandes, é vulgar.

Que os filhos da puta, ou de puta (sei lá eu,

porque o da e o de parece definir o estatuto

da patuleia e dos bem-aventurados),

aspirem o pó fino da filha da putisse

com a mesma naturalidade com que respiram

o ar que todos respiramos, é vulgaríssimo!

 

O que já não é vulgar é que nos digam

com aquele ar cândido de anjinhos que sabem pôr,

​que se nos metem o dedo no cú é para nosso bem,

​que sem eles, o que seria de nós

​e que tudo conduzem em nome do bem comum.

 

Tanto o refinado como o refinadíssimo filho da puta

serão sempre bem-aventuranças em pessoa.

Sempre!

 

Não é que tenham recebido essa graça nas margens do Tiberíades.

Não. Não é disso que se trata.

Eles são bem-aventuranças

porque todos os filhos da puta são filhos de Deus.

Mas não sabem.

 

O pequeno difere do grande pelo tamanho.

Mas o refinado filho da puta difere do refinadíssimo

pela qualidade das filhas da putisse

que distribui Urbi et Orbi.

 

Dizia o filósofo antigo que os justos são serenos

e solícitos os injustos. Nada mais verdadeiro!

Não conheço refinado nem refinadíssimo filho da puta

​que de dia não seja solícito e prestável,

​que não fale espargindo simpatia.

 

E à noite?

À noite descansam os filhos da puta que são!

E valha-nos, ao menos, o sono que têm: porque também dormem.

É da sua condição!

 

Mas quando acordam, logo

​ladram às caravanas dos outros

​e uivam de raiva, de inveja e de ciúme.

 

É da sua qualidade!

O seu costume.

 


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Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2019

No limite

 

 

no limite, mesmo no limite,

dizer muito em poucas palavras

é dizer tudo em silêncio.

 

 

 


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Quinta-feira, 10 de Janeiro de 2019

Surpreende-me !

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surpreende-me!

diz-me que nas tuas mãos,

arada pelos teus medos

a terra se mantém firme.

 

e deixa-me no ouvido, em segredo,

as palavras que te escapam

como areia pelos dedos.

 

pede-me, vá... pede-me!

 

a sombra do meu corpo

projetada no areal quente.

o contorno impreciso e ardente das dunas

no calor perfumado pelo sal.

 

 

imagem daqui: http://www.jf-samouco.pt/freguesia/paisagem/1898822_1407138986203664_1575736142_o/


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Sexta-feira, 4 de Janeiro de 2019

Noites Frias

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Quando um ano cai e outro entra

as duas faces de Janus sorriem.

 

Cronos, no Lácio acaricia os tempos.

           

      O tempo dos dias,

      o tempo das memórias,

      o tempo das noites frias.

 

 

 

Imagem daqui: secondselfbeer.com


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Sexta-feira, 7 de Dezembro de 2018

A Corrente

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convivo bem com as raízes,

letras

e palavras que tudo nomeiam.

 

sei que existem alfabetos estranhos,

símbolos

que estão fora do léxico,

escritos para quem não sabe ler

nem escrever, mesmo sabendo.

 

sim.

os degraus do Templo são planos

e olhos nos olhos nos vemos,

de coração contente e de braços firmes

na corrente que formamos.

 

sim.

sem vós, que faria eu aqui?

 


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Terça-feira, 27 de Novembro de 2018

Penas

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quando canto a alvorada

ainda tenho as asas húmidas do orvalho

que, puro, se condensa muito cedo

na orla das penas que me cobrem

a pele.

 

para além da escuridão que se esfuma

não sei que outras fronteiras

existem entre a noite e o dia.

não sei!

 

pergunto,

se a névoa que se levanta

mais os mistérios do vento?

se as nuvens salgadas que envolvem a praia,

mais a transparência do mar?

 

respondo

que nada disso é assunto das aves.

as minhas penas não são tristezas

nem condenações.

 

são plumas de enfeitar.

 

 

 

imagem daqui: http://wonderfulseaworld.blogspot.com/2012/03/aves-marinhas.html


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Terça-feira, 30 de Outubro de 2018

Sonho ( I )

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I

 

encostei-me à entrada.

olhei para cima e vi projetadas no azul celeste

as barras firmes do portão.

 

como são altas, férreas e sólidas!

está fechado a sete chaves, pensei.

 

e eu aqui esquecido,

nos passos perdidos do paraíso.

 

II

 

não sei de nada.

ousarei as rimas que ouvi, cantadas no sul e a leste

pelas cigarras no lume do verão.

 

ouço-as tão cálidas,

térreas e pálidas!

vão assustadas no ventre das aves, pensei.

 

e tu ali, de braços estendidos,

indecisos.

 

 

imagem: ZP_Cicada from Borneo_© photographer Alex Hyde

 

 


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Quinta-feira, 4 de Outubro de 2018

Filósofos

FilosofiaSite.jpg

 

está fora de moda o silêncio,

mas é bom estar calado.

 

penso assim porque a solidão,

filosofias à parte,

ladra-me como um cão de fila e diz-me

que fuja, das brigas e dos abutres

como o profeta do toucinho e o diabo da cruz.

 

sim.

se há assunto que não podemos deixar

entregues aos filósofos, assim

sem mais nem menos,

o silêncio e a solidão são dois

e julgo que há mais.

 

eu, deixem-me que vos diga,

não sei se estar só é estar sozinho,

porque estar sozinho é estar

numa solidão mais pequenina

do que estar só.

e depois, a beleza da solidão

está na intimidade das coisas belas,

que são belas porque são íntimas.

 

e o que sabem os filósofos

da minha intimidade?

tanto quanto eu sei das suas razões

que às vezes até se encontram com as minhas.

 

 


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Quarta-feira, 8 de Agosto de 2018

Pequenos prazeres

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Eu sei que falarás por ti

porque ninguém pode falar por ninguém.

 

Por mim, e só por mim,

falo no cheiro da terra molhada,

do pão quente quebradiço na boca

e da farinha tisnada na ponta do nariz.

 

São horas Luís! Vem, que se faz tarde.

 

Eu sei que falo por mim. Só por mim.

Mas a manteiga a escorrer,

liquefeita pelas torradas,

traz-me de regresso os calções

e as nódoas das amoras

às pernas imberbes.

 

São horas Luís...vem, que já é noite.

 

E quando chegava,

ainda me lembro dos banhos

quentes e de esponja macia,

que nunca conseguiam lavar

a memória dos dias.

 

Por mim, e só por mim, falo.

São horas Luís... dorme, que já é tarde.

 

 


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Segunda-feira, 4 de Junho de 2018

E vindes só?

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“À barca, à barca, Houlá!

Que temos gentil maré!”

 

E vós, por que rios navegais?

 

Em cada um dos rios em que navego

o meu barco dorme sonos tranquilos, sem sobressaltos.

Em sigilo vou, só por ir, ao sabor do destino das correntes

para estar, só por estar, no devir guardado

de um futuro clandestino que me pertence.

 

“À barca, à barca segura,

barca bem guarnecida,

à barca à barca da vida”

 

E vós o que guardais?

 

O que gosto de guardar!

As horas mais simples num simples segredo

que trago das margens obscuras da cidade,

para junto das colunas do cais.

 

“À barca, à barca mortais,

barca bem guarnecida

à barca à barca da vida”

 

E vindes só?

Na ideia que trazeis?

Quando tendes marcada a ida?

 

Ora, ora!

O que gosto de trazer quando não sei da partida!

 

Nada existe de mais banal que as coisas banais.

Venho sempre comigo mesmo e no bolso trago

os deuses do inferno,

os paraísos do diabo.

 

 

 


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Terça-feira, 17 de Abril de 2018

Perguntei-te

e quando eu quis cantar

disseste-me que não havia vento

que me levasse a voz.

e eu calei-me.

 

perguntei-te de onde corria o vento.

 

disseste-me que os caprichos do ar 

são tão ínvios e frágeis

como livres e ágeis são as ondas do mar.

e eu calei-me.

 

perguntei-te de onde escorria a água.

 

falaste-me das gotas cristalinas,

do orvalho.

das lágrimas que se precipitam

de madrugada, tão límpidas na verdura chã.

 

e quando eu vi as aves brancas, suspensas no escuro

como luminárias, falaste-me no voo luminoso dos pirilampos.

e eu calei-me.

 

de onde vem a Luz ? perguntei-te.

 

do Oriente da Terra ou de Ti.

na imensidão o centro pode estar

em qualquer lugar, respondeste.


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Quarta-feira, 17 de Janeiro de 2018

Pecadores e Santos

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nenhuma palavra é inocente.

na conspiração das tormentas as palavras desfazem abrigos,

canonizam pecadores e santos.

 

ora caem gota a gota, ora em torrentes

que nos conduzem aos ralos das cidades.

é por aí que escoam as silabas, caem as palavras

e as  frases ficam prisioneiras, no escuro.

 

nenhuma palavra é inocente!

esteja maduro o tempo

ou ainda verde a Liberdade

 

 


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Sábado, 16 de Dezembro de 2017

Chá de hibisco (III)

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 III

 

poderás até

beber o chá rubro da flor da Jamaica.

 

e com a xícara subir ao jardim

onde a terra em chamas se abre,

perfumada

como as flores que dizes tuas.


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Quinta-feira, 2 de Novembro de 2017

Chá de hibisco ( II )

 

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II

podes dizer-me que as dunas

são a luz e a sombra no deserto.

 

o antes e o depois ,

as águas que fervem

até que a cor perfeita se liberta

do perfeito karkadeh.

 

 

Imagem daqui:

https://www.pinterest.pt/pin/73535406397825574/


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Terça-feira, 31 de Outubro de 2017

Chá de hibisco ( I )

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I

podes beber o chá

rubro dos hibiscos do Egipto

e com a xícara regar

as dunas que amas,

as areias que dizes nuas.


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Quarta-feira, 25 de Outubro de 2017

Família feliz

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Não sei,

não sei se estou velho...

 

Não sei se estou velho

nem se estar velho é estar, como eu estou.

 

Há muito tempo, sentava-me no quintal

e via as brasas, as sardinhas e os pimentos,

soltarem o fumo ao calor do verão.

 

E a família feliz, como o prato chinês.

 

Não pensava no tempo assim.

Só na chuva, no sol e no vento.

 

E via as brasas do carvão até à cinza

e a presença de todos, como se ali estivessem

para estar sempre.

 

E a família feliz, como o prato chinês.

 

 


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Quarta-feira, 9 de Agosto de 2017

A caminho do mar

y2.jpg

 

e fiquei ali sentado ao fim da tarde

com a água no peito,

quase no coração.

 

não.

não gosto de fazer promessas.

 

mas quebrarei o silêncio só com os remos

a caminho da foz,

a caminho da praia.

 

tudo o resto será a companhia das aves

e o rumor do vento nas margens.

 

como tudo é tão simples!

 

tão simples que os odores ribeirinhos

condensados, como perfumes estivais,

se deixam respirar nos contornos do rio

a caminho do mar.

 

não gosto de fazer promessas

porque sou mau pagador.

não gosto!

 

mas hei de remar assim

até que o sal se apodere da água doce

e a tarde encerre o dia atrás da noite.

 

Foto daqui: http://amata.anaroque.com/arquivo/2014/04/rio_arade

 


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Quarta-feira, 28 de Junho de 2017

O Vermelho da Rosa

 

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Sem Título.jpg

 

 

 


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Terça-feira, 2 de Maio de 2017

O Vulcão das Metáforas

 

o-monte-olimpo.jpg

 

porque minha mãe caíu,

não sei de que paternidade sou!

 

cresci cedo no seu ventre

porque o frouxo Zeus no trono,

contente de sono, se destraiu.

 

foi de Hera que nasci.

 

ainda menino, empurrado caí ao mar.

e foi Tétis, a ninfa, que me guardou,

já imperfeito e couxo, ao lado de Aquiles.

 

de triste e fraca figura

cresci junto dos martelos e das bigornas.

dormia na forja das ferrarias

de todas as armas e armaduras

recolhidas nas armarias,

deitadas nos arsenais.

 

serei feio?

serei fogo?

 

serei tudo por Afrodite

que de Ares foi consolo!

 

serei ferreiro divino

                     das armas de Aquiles,

                     das flexas de Apolo.

 

                     da couraça de Héracles,

                     do tridente de Poseidon.

 

                     dos raios de Zeus,

                     do trono e da ascrava-pulseira

                     de Hera, minha mãe acorrentada.

  

sou Hefesto!

 

       a fera que teceu as redes

       onde dormiram Afrodite, Ares e Eros.

 

       o soprador da forja das almas,

       o ferreiro do Olimpo.

 

       o vulcão de todas as metáforas.

 

 

 


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Quarta-feira, 15 de Março de 2017

Todas as Palavras (VII)

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VII

 

e ao sétimo dia

revelam-se todos os vocábulos.

 

é a poesia.

é ela que tudo destapa.

 

e nada escapa ao primeiro léxico

dos primo poetas que no banho,

na espuma das águas irmãs

do Tigre

e do Eufrates,

mergulham na palavra única.

 

era quando nem fala ainda havia,

porque Babel crescia entre zigurates

do tamanho da língua antiga:

 

que era una.

 

 

 


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Terça-feira, 14 de Março de 2017

Todas as Palavras (VI)

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VI

 

repara bem no que te digo:

 

é uma pena que o Alegre

não escreva poemas menos sérios

e que os sermões do Vieira caminhem,

como loucos,

do zénite e dos cardumes

ao nadir e aos costumes.

 

tristes estão os escamudos na água!

mudos na terra

com a mudança os homens!

 

sem palavras!

 

Foto: LNM - Ericeira

 


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Segunda-feira, 13 de Março de 2017

Todas as Palvras ( V )

 

 

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V

 

ninguém escreve decassílabos aos telemóveis

e muito menos tragédias.

 

ei-los que tocam desgarradas

nas escuras salas de cinema,

onde todos os romances são possíveis

e todas as aventuras acontecem...

 

as grandes e as pequenas!

 

não oiço rimas quebradas

aos astros no firmamento,

aos peixes no mar

e aos homens na terra.

 

nem à tragédia de Camões zarolho

em guerra com as Ondinas,

aflito a nadar.

 

Foto: LNM - Margem Sul ao fim da tarde


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Quarta-feira, 8 de Março de 2017

Toda as Palavras ( IV )

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 IV

 

é uma pena que não se encontrem por aí

epopeias,

rimas ,

ufanos sonetos

aos pacíficos hipopótamos

que medram nos pântanos africanos.

 

enquanto nas margens do lodo,

já na savana,

as hienas olham

desconfiadas e nervosas,

safadas e sorridentes.

 

manhosas!

 

Foto: LNM - Nag Hammadi

 


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Terça-feira, 7 de Março de 2017

Todas as Palavras ( III )

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III

 

sabes?

é uma pena que Pessoa

não tivesse escrito poemas

ao me-tro-po-li-ta-no,

como escreveu ao sino da aldeia dele.

 

não podia!

porque naqueles anos sombrios

em Lisboa não havia o caruncho das cidades,

nem o funcho crescia com aroma

de Liberdade.

 

 

Foto: LNM - Deserto


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Sexta-feira, 3 de Março de 2017

Todas as Palavras ( II )

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II

 

quem o escreve crê que a poesia,

como o resto,

deve ter por norma

certamente

o politicamente correto

na forma.

 

como se tudo na vida fosse contido e guardado !

como um engano bem escondido

no canto de quem não diz ou canta

lengalengas,

canções de embalar,

cantigas de amigo e fados.

 

Foto: LNM  - Jerusalém - Jardim das Oliveiras


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Quinta-feira, 2 de Março de 2017

Todas as Palavras ( I )

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I

perguntas-me pelas palavras certas.

 

e eu não sei como encontrá-las,

não consigo dar-tas

neste poema.

 

vi escrito que há palavras

duras,

inqualificáveis,

feias

que a poesia recusa.

 

repara no que digo:

que a poesia recusa!

 

 

Foto: LNM - Jerusalém - Jardim da Oliveiras 


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Terça-feira, 27 de Setembro de 2016

Chegou o calor.

Mouraria-04.jpg

 

O homem levantou-se lesto e nú

como fora posto no mundo,

chegou-se à janela escancarada

e ladrou para a Rua do Capelão

            que é a rua de todas as virtudes e virgindades

            que em todas as idades se perderam na Mouraria: 

            - Este caloooor faz-me ter saudades do friiiio...

 

Da esquina do Largo da Severa,

voz feminina rosnou baixinho

como se fosse uma cadela:

             - Vai tomar banho que arrefeeeeeces...

 

E todos os dias de canícola o santo homem ladrava

e, como quem não quer, rosnava a santa mulher.

 

No pino do inverno,

quando chovia todo o santo dia

água gelada, fria, fria...

o homem levantava-se vestido:

de pijama de flanela atado às canelas,

peugas grossas de lã de ovelha

e barrete enfiado até às orelhas.

 

Abria meia janela e gania para a Rua do Capelão

            que é a rua de todas as virtudes e virgindades

            que em todas as idades se perderam na Mouraria:

            - Este frio faz-me ter saudades do caloooor...

 

E arrastava o ó para que ouvissem como gania bem.

 

E aquele lamento, de quase esquimó,

subia e descia as encostas da cidade

até São Vicente, ao Beco da Mó.

 

Mas era da esquina do Largo da Severa

que uma voz feminina gania também: 

            -dorme de botija aos pééééés...

            que aqueces por deeeez...

           

Na primavera e no outono

nem um nem outro ladrava, gania ou rosnava.

 

Ele abria e fechava a janela todas as manhãs: calado.

E ela à esquina feita virgem menina

vendendo a virgindade como podia

as vezes que conseguisse ao dia.

 

E à noite: era o fado!

 

Imagem daqui: http://permanentereencontro.blogspot.pt/2015_04_01_archive.html

 


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Segunda-feira, 12 de Setembro de 2016

Aplausos e pateadas!

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Perguntaste-me:

como podem as mil e uma noites

chegar à eternidade?

Ao dia a dia das coisas menores que fazes?

À vidinha que tens?

 

É simples!

Basta acrescentar histórias às histórias de Sherazade.

 

Como?

 

Contaram-me que um velho muito velho

tinha nas mãos o dom da palavra:

batia palmas e soavam discursos e poesia!

Palavras e mais palavras saltavam-lhe das mãos

e, se a conversa fosse triste, até os dedos choravam.

 

O velho não podia bater palmas sempre,

porque as palavras das mãos eram mais sinceras

do que as palavras que dizia quando falava pela boca.

 

De inverno, quanto o frio pesado lhe caía em cima,

o velho batia palmas para ficar quente

e de entre os dedos ouvia-se o Pessoa

carregado das razões, do calor e do frio

que tinha e não tinha.

E às vezes Camões: “alma minha...”

 

E quanto mais quentes lhe ficavam as mãos

mais quentes eram as palavras que se ouviam.

 

Num dia de frio, de luvas calçadas,

ouviu-se a voz rouca e sumida da Florbela

que mal conseguia sair-lhe pelos pulsos...

“Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,"…

 

E quando às batidas dava jeito de sapateado

e gestos de flamenco,

eram de Lorca as palavras que se ouviam.

Voz arrastada...

entre lamentações ciganas e o fado.

 

Num dia de calor o velho, de mãos suadas,

limpou as mãos humidas e bateu palmas para secá-las.

 

E Pablo Neruda saíu-lhe a cantar Tango

Viúvo, como o pai a um mês dele ter nascido.

 

Ah! Mas o velho também batia os pés!

 

Ficou famosa uma pateada no São Carlos

por conta do Castelo do Barba Azul.

Nada que se devesse ao Bartok,

que nestas coisas do canto as pateadas

vão mais para quem abre as goelas pífias

e regurgita fífias em forma de pranto.

 

No fim do primeiro e último acto

(que o compositor foi poupadinho),

toda a minha gente pateava a Judite e ele também.

 

E pela manga dos peúgos saíu-lhe o Ezra fanhoso:

“Arre! Já celebrei mulheres em três cidades,


Mas é tudo a mesma coisa;


E cantarei ao sol.”

 

Um dia, uma criança que estava à beira do velho,

sabendo daqueles seus dons pediu-lhe

que batesse palmas e pateasse ao mesmo tempo.

 

A algazarra foi tanta vinda das mãos

e de baixo, pelas perna a cima e de todo o lado,

que o coitado do velho caiu por terra!

 

E em dois dias foi enterrado.

 

 

 

Foto daqui:

http://www.3dartistonline.com/image/6845/old_man


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Segunda-feira, 5 de Setembro de 2016

Loucura

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haja ou não a loucura

que Erasmo elogia e outros cantam

 

seja o engano a luz permanente

que se acende no entendimento dos loucos

 

que e eu serei hoje e sempre a doçura

que fui

 

porque sou

 

porque olho a loucura nos olhos

e leio como poucos as palavras

que se lêm gravadas a fogo

na vida de quem está não estando

nos pensamentos de quem pensa

que há um jogo que se joga

fora do que seja humano

 

haja ou não haja a loucura

existirão sempre ocos elogios

aos moucos que percebem o mundo

como navios carregados só de lastro

 

e os outros

aqueles que o peso de tanta pedra

não sobrecarrega a cabeça nem os ombros

farão promessa de tábua rasa

 

do escuro e dos assombros

das loucuras e dos altos muros

das brazas

das quedas e dos tombos

 

e depois como no Livro

serás um

serás dois

 

no princípio e com o que houver

haja ou não a loucura

queiras ou não queiras

 

virá o dia virá a noite

serás homem

serás mulher

 

Imagem: Gilson Simabuku

Daqui: Elogio da Loucura

 


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Quinta-feira, 18 de Agosto de 2016

Falta de fé!

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Nas margens de uma cidade perfeita,

um convento.

Mais de cem freiras e um padre!

Elas em penitência convicta

e o clérigo pastando o rebanho

de ovelhas mansas e devotas:

 

das lides divinas,

da moral de antanho,

da carne sem nódoas.

 

Quis o destino, ingrato,

que mesmo ao lado do convento,

no seguimento do adro e colado  à capela,

existisse um palácio imponente

e que uma senhora muito liberal, alta figura, olhos de mel,

de nome Esperança e dada aos negócios,

o recebesse de herança para os seus ócios.

 

E fez do palácio um bordel.

 

Muito se rezava !

Cada qual ao seu modo e de muitas maneiras.

 

No convento todo o santo dia e à noite dobrava.

No palácio, de madrugada, até depois das bebedeiras

e quando o fado se cantava.

 

A madre superiora, lesta e asinha,

propôs ao bispo um protesto violento.

Mas sem resposta e com a pressa que tinha,

gizou com o padre e com as beatas vizinhas

mandar rezar uma dúzia de missas

para acabar com o bordel do lado.

 

E a todos mandou recado.

 

Na casa do ócio outras eram as intenções.

Acordava-se á noite para celebrar

o que no convento não se fazia:

o dar e o receber,

o pão e o vinho,

o amor e a vida.

 

Depois de muitas rezas e outras tantas missas,

de um quarteirão de petições ao bispo

e só de protestos mais de uma centena,

sem que o boldel dali se fosse

convidaram-se os fiéis para uma novena.

 

Ao nono dia, a meio do terço,

estavam reunidos na igreja os fiéis

e rezavam pela salvação das mulheres perdidas,

e pelo encerramento de todos os bordeis.

 

Pedia-se pela conversão da dona do bordel

ou que sobre ele caisse um raio divino,

quando desatou do céu, como nos trópicos,

trovoada, chuva e depois granizo:

como se as trombetas da queda de Babel

viessem em socorro do paraiso.

 

E com estrondo digno de nota

caíu um raio no palácio da má vida.

Para gáudio do padre, das freiras e devotas

fora raio divino mandado pela justiça suprema,

resultado de tanta oração e penitência

e daquela novena.

 

Esperança, senhora de bastantes atributos

e também de muitos segredos alheios,

atribuiu à novena aquele destino.

Demandou o convento, o padre e as freiras,

solicitou à justiça dos homens o castigo e pagamento

da reconstrução do palácio e dos aposentos

que por terra caíram por castigo divino.

 

E em tribunal insistiram os crentes

que desconheciam porque eram réus.

De que nada do que acontecera viera dos céus

por via das rezas, dos terços e da novena

que tinham acabado havia uma semana.

 

E o juiz  ponderou e lavrou sentença,

muito espantado por gente de fé,

crentes convictos e rezadores de profissão

não acreditarem na intercepção divina,

por força da oração.

 

Enquanto que as mulheres da vida,

vendedoras de prazeres inconfessáveis,

casta de pecadoras dignas de Sodoma e de Gomorra

faziam profissão de fé,  muito sentida,

na força das preces  mais inefáveis

feitas por nove dias,

de seguida.

 


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Terça-feira, 5 de Julho de 2016

Um novelo uma Rosa

rosa.jpg

 

era fina a linha que tracei

invisível aos mais desatentos

 

depois de fazê-la com muito cuidado

fiz dela a fronteira entre mim e o fado

 

fiz dela o traço entre o céu e a terra

 

a vida e a morte

o amor e o medo

a paz e a guerra

 

era um fio de seda uma teia fina

depois um novelo uma Rosa divina

 


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Segunda-feira, 18 de Abril de 2016

Onde fica?

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São assim,

os desejos que invadem os homens

quando na quietude do bem estar

se sentem impelidos a fazer.

 

O que os move?

 

Há quem diga que somos feitos para ser felizes e,

felizes, deixamo-nos estar.

Quietos,

tranquilos,

na esperança de que o estado de graça fique

para a eternidade.

 

Há quem diga que estamos aqui para festejar a felicidade.

Conseguindo-a, ficamos nela de pousio...

sem querer que ninguém nos cultive o corpo ou

abane a caixa dos pensamentos.

 

E o sentido do dever?

Onde fica?

 

Há quem diga que fazer por dever é fazer obrigado

e que a obrigação não é sinónimo de vontade.

Agimos e fazemos quando nos sentimos incomodados:

 

é antes disso que está a felicidade!

 

 

 


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Quinta-feira, 14 de Janeiro de 2016

Tear das asas

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Sexta-feira, 30 de Outubro de 2015

Setembro

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Como eu preciso de ver os barcos encostados à muralha,

acabados de chegar, ou prestes a partir.

Quem sabe? Quem me diz?

 

Como eu preciso dos meus olhos na água,

apressados, com a pressa que as ondas têm...

 

Já devia ter ido até ao cais

a que chegam todos os barcos depois do verão.

Mas ainda não fui.

 

Eu aceito.

Aceito, mas não sei por que não param os relógios em agosto,

quando o mar está chão, o sol visível e a areia quente...

Quem sabe? Quem me diz?

 

Já estamos em setembro,

o mês em que as sombras crescem enquanto o lume se apaga.

 

E eu já devia ter guardado a nudez para vesti-la

para o ano que vem, quando for tempo para despir a roupa

e regressar.


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Quinta-feira, 27 de Agosto de 2015

Sabedoria

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nas tuas mãos

              o mundo

nas rugas que trazes

             as sementeiras

             e os arados que navegaste

na quietude

             as pautas musicais nuas

             das valsas caladas

             que danças em silencio

ah!

escuta na multidão

           a chuva que te corre no sangue

 

            os sonhos que semeaste

 


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Terça-feira, 16 de Junho de 2015

Perguntador

 

Pai?

 

Por que são redondas as rodas

como os zeros e a minha bola?

Por que se chama círculo ao círculo

e não quadrado?

Por que não dizes que regresso a casa

quando vou para a escola?

Por que digo que corro quando corro

e não digo que estou sentado?

 

Por que me chamas rabino se estou de pé

mesmo quando estou quieto?

E há quem estude sapateado?

 

Se for avô porque não me chamam neto?

E não correm os rios para a nascente?

E se canta em Portugal o fado?

Que se diz solto quando sem rima?

 

Por que se chora de contente?

E estar em baixo não é ver de cima?

 

Filho?

Por que se vai do significante para o significado?

 

Sei lá !

 

Perguntador.jpg

 

 

 


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Sábado, 30 de Maio de 2015

Um fio sibilino de perfume

do que eu gostava mesmo
era de ter aquelas certezas
que vejo a passearem-se pelas incertezas de outros
 
nunca consegui ser definitivo mas creio saber
colocar os pontos finais no sítio certo das frases 
para depois respirar de peito aberto 
e sentir a força que a cor das rosas me dá

 

do que eu gostava mesmo 
era de ter aquelas certezas que a ignorância refina
as certezas lavadas pela água das doutrinas 
pelos pios baptismos sem graça que não lavam 
desgraça nenhuma 

 

e dizem-me que por não ter certezas
não há nada em que possa acreditar

 

e eu que acredito nas dúvidas que tenho
eu que não somo conjecturas para fazer factos
que nem dou por certas as minhas incertezas
duvido das dúvidas que tenho e
como a negação da negação é a certeza afirmada
digo que a culpa de tudo é da palavra
porque sem ela em silêncio eu diria tudo 


e não diria nada

 

do que eu gostava mesmo era de ter um canto
onde pudesse estar com aquilo em que acredito
com as luzes apagadas
e um fio sibilino de perfume caindo

 

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Domingo, 29 de Março de 2015

Prisioneiros

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despidos,
os lábios vestem-se de palavras.

a cada uma
os olhos fitam as portas que elas encerram.

e cada frase proferida é uma chave,
como se a saliva emergisse em fios de seda branca
até que o casulo, translúcido, se fecha.

e nós lá dentro!

prisioneiros do que dizemos!

 

 


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Sábado, 21 de Fevereiro de 2015

Questiona

2M.jpg

 

quando quiserem que acredites
questiona

se te fecharem a porta
abre-a

e quando te disserem que não há uma estrela da manhã
acende-a

 


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Domingo, 14 de Dezembro de 2014

Estuário dos tempos

jan.jpg

 

são inocentes os olhos que acordam
na fonte do princípio,
na origem das nascentes.

 

maculados os outros, que adormecem
na foz dos invernos.

 

no estuário dos tempos.

 

Foto: LNM - Janela - Silves


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Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

Não quis aprender

 

escolinha.jpg

 

 

foram tantas as coisas que me quiseram ensinar

mas que eu não quis aprender!

 

quiseram que acreditasse que o mundo era como era

só por ter sido como foi.

e eu sentado com as pernas curtas, que nem chegavam ao chão,

repetindo para mim que não queria saber.

 

e do quadro negro, de dedo em riste,

gritavam-me que ser alguém era ser como os outros

porque os outros eram como deveriam ser.

 

e eu a não querer saber daquela sabedoria!

 

e da cátedra explicavam-me como se fazia a partir de um ponto

uma circunferência por natureza redonda,

mais um quadrilátero que até podia não ser quadrado.

 

e eu a não querer saber daquela geometria das figuras!

 

de pernas curtas que nem chegavam ao chão

tudo para mim era enfado, travessuras, imaginação.


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Sexta-feira, 10 de Outubro de 2014

Do nada

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criar é fazer emergir do nada!

       do escuro tirar a Luz.

       do silêncio harmonia.

       do inolente o aroma e do insípido o sabor.

 

é tirar da noite o dia e do carvão o lume.

         do cravo o odor.

         da tua pele perfume.


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Quinta-feira, 3 de Julho de 2014

Silêncio


poucas palavras terá o poema
e o papel, calado, estará perto do vazio.

flutua para além
das palavras impermanentes na candura da cal
e dos parágrafos ocultos dos olhos ímpios.

escrever poesia sem macular a cândida brancura das folhas
leva-nos a poemas rasos, limpos e quase puros.

onde lerás, se conseguires, os contornos e traços
do que é dito sem palavras.

e que titulo teria um poema assim?

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Quinta-feira, 12 de Junho de 2014

Sopro


Éolo sopra e oscilam
ao sopro os galhos que se inquietam e as penas
que se desarrumam.

não fosse eu quem sou!
e seria uma dessas aves do paraíso que no outro lado do mundo,
emplumadas como a serpente, se despenteiam
e balouçam ao desejo do Senhor dos Ventos.

para onde flutua a tua ilha, Éolo?
de que bronze é feito as suas muralhas?
porque nos afasta o teu sopro da vontade
e nos traz o destino de regresso?

Imagem daqui: http://fineartamerica.com/featured/tree-of-life-catherine-barry-hayes.html

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 18:14
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Quinta-feira, 8 de Maio de 2014

É simples...


é simples permanecer
na frágil amurada de um porto e na vigia de um barco
que parte sem nunca chegar

por isso
moras na orla de tudo o que os teus olhos não te mostram
e passeias sem querer saber das perfeições escondidas

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:20
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Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2013

Alegrias


Alegrias são como olhos doces,
nos meus que ao redor ficam
presos em colo brando e seguro.

São o descanso futuro das preces
silentes, dóceis e leves,
lavradas na terra profunda.

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 16:21
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Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013

O tecto


são aves que te habitam

de asas abertas navegam-te por dentro
à bolina da tua pele

és o tecto do universo em que elas voam

pudessem elas ausentar-se
pudesses tú soltá-las
para além do tecto que és e dessa terra que te pertence

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:05
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Quinta-feira, 29 de Agosto de 2013

Cala-te


cala-te.
não fales, não digas a ninguém.

silencia o corpo das fomes que ele te expõe
e cala-te.

apaga dos teus olhos tudo aquilo que destapas
e da tua pele as fronteiras que ela não tem.
e espera .

espera que o teu coração te mostre
que Ele te guarda
também .

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 20:16
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Sexta-feira, 2 de Agosto de 2013

Não por isso


há um tempo em que vemos o dia diante de nós

não que o sol tenha nascido
ou as cotovias cantado a claridade das coisas visíveis

não por isso

mas porque há um tempo em que o sol escondido emerge
do que nos acontece e não acontece

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:56
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Terça-feira, 21 de Maio de 2013

Lux æterna


grande ampulheta
que escoa tudo o que é efémero
em contínuas provocações e profusas brigas musicais


forja lendária dos cedros
cadinho onde foi escrita a roda da fortuna
pira onde ardem as intrigas e os enredos fermentados
no avatar de todos os ofícios e castas de fingidores

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:39
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Quinta-feira, 14 de Março de 2013

Outro céu


não sei muito de astrolábios e calendários

mas creio que acima do céu há outro céu
onde as crianças colam estrelas com saliva doce

dos rebuçados

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 10:17
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Terça-feira, 5 de Março de 2013

Dança do Chão


No Olimpo
Cronos ergue o anel do tempo
e cerca os frutos de Úrano e Gaia.
Deméter desponta, verde, na demora das planícies!

E nas searas as espigas murmuram a dança do chão.

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 18:10
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Segunda-feira, 10 de Dezembro de 2012

Quem és?


tristeza, quem és?

por que invades as alegrias quando finalmente as tocamos
e nos trocas o sorriso autêntico pela melancolia
do taciturno Hades?

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:03
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Quarta-feira, 29 de Agosto de 2012

Nada que se possa ter



no rasto da praia ainda escuto as madrugadas

quando acordava no escuro e imaginava que alguém
á beira-mar acendia o sol para júbilo dos banhistas

eu fazia o carreiro todos os dias

então como agora os atalhos eram muitos
mas todos acabavam num areal interminável que eu pisava
ligeiro como as coisas mais leves a caminho da água
que me recebia dentro e me abrigava do calor

é por isso que não tenho parelhas e montes como diz a canção

cada um tem aquilo que julga que tem

eu o rasto da praia o caminho da água
mais a circunstância da vida
que pode até nem ser nada que se possa ter

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 16:50
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Quinta-feira, 16 de Agosto de 2012

Cada frase



quando me sento à janela
uma claridade perfumada inunda
cada letra
cada palavra
cada frase
e toda a conversa que te escrevo

linha a linha
os meus dedos conversam contigo
sem que dês por isso
e nem mesmo o silêncio das tuas respostas
me fazem crer que no futuro
num dia incerto
guardarei de vez as palavras comigo

escriba serei sempre
mesmo que as linhas não se estendam como dantes
paralelas
equidistantes e negras nas folhas de papel

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 16:48
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Quinta-feira, 12 de Julho de 2012

Há quanto tempo?


I

caminhei até à falésia
e sentei-me quando vi o mar aos meus pés.

entre mim e ele um precipício
feito de altura,
de areia
e de espuma leve e dispersa.

bem visto
não era água que eu via,
mas vida que desembarcava na praia
e ali ficava numa espera teimosa,
permanente.

II

há quanto tempo não vejo o horizonte?

já nem sei se permanece encostado ao céu,
ora acima
ora abaixo,
sempre ao sabor das marés e à cadência das lunações…

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:58
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Quinta-feira, 24 de Maio de 2012

Onde nos leva o Eterno Presente?


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:13
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Terça-feira, 24 de Abril de 2012

Que te digo?


se me falas da efabulação dos dias
se os escreves em páginas verdes
em folhas que nunca vês maduras

se me dizes que são já tardias
as cores
a tinta das tardes puras
que sempre trago
que sempre levas e não dispensas

que te digo?

ah! se as estações fossem todas só uma
aquela em que o fresco halo da manhã
luminoso se desata

Imagem daqui: http://www.aswat.ma/fr/

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:03
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Quarta-feira, 21 de Março de 2012

Deixo

 
 
deixo em testamento a tua sombra
e só ela
aos que virem na penumbra dos teus ramos
o abrigo
 
aos outros o Sol
que dorme enquanto durmo
no além submerso que avisto
 
e aos restantes o resto
que é tudo o que diz o poema
no dia do achamento
 
 
(no dia da poesia)

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 10:12
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Sexta-feira, 16 de Março de 2012

Sonho genuíno

 


os meus dias eram todos os mil filhos do Sono
e as minhas horas irrompiam aladas
como o vento irrompeu do odre
enquanto o herói se entregava a Morfeu

não sei qual dos companheiros enxotou o destino
quando desapertou o cordel das ventanias

mas ainda hoje as vejo errarem por direcções imprecisas
sempre contrárias ao sonho genuíno de Ulisses
 
 
 
(2006 -  No Dia Mundial do Sono)


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 10:09
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