Terça-feira, 31 de Maio de 2005
o regresso ao seio materno
à Terra-Mãe
a descida à memória do mundo
ao chão
como será sentir dissolver-se o corpo
ser seiva de uma planta qualquer?
correr pró mar
ser mar
sentir peixes a nadar dentro de nós?
como será subir às nuvens
e chover?
Sexta-feira, 27 de Maio de 2005
estão sós na multidão dos pomares
perdidas na tristeza infecunda
das flores brancas que rebentam
inolentes
há tristezas que se apanham por aí
pairam suspensas
leves que nem alegrias e enganos
e há a tristeza das laranjeiras
doentes
Terça-feira, 24 de Maio de 2005
nunca como hoje dormiste
tão perto dos sonhos temerosos da Água obscura
tão longe da transparência anil do Ar profundo
nunca como agora
Quarta-feira, 18 de Maio de 2005
quando o mundo ainda não podia ser redondo
e nas fogueiras ardiam os curiosos
sentavas-te e perguntavas onde
em que abismo caía o mar
pediam-te a cegueira de olhos abertos
e professavas o Fogo
davam-te padroeiros das dores e do silêncio
e professavas a Terra
Quinta-feira, 12 de Maio de 2005
O sol abrasa-lhes o rosto
e a pele não tisna
já é de carvão
Assim que a doidice do vento se levanta
derramam os corpos na areia
que se deixa acomodar
mansa
Até que à noite as lamparinas
espalham brilhos difusos
sois que se fundem com a lua
Domingo, 8 de Maio de 2005
Ser vosso pai é estar neste cuidado,
nesta angustia de não saber
o que será de vós no correr dos tempos.
Seria bem mais fácil se vos olhasse
como empréstimo do bom Deus;
de tal jeito que ser vosso pai fosse dar-vos asas.
Só.
Segunda-feira, 2 de Maio de 2005
cercado pelo vento
sentes uma protecção feita dos brados
das tuas origens distantes
cingido por farturas de água
fazes delas o juízo de vento liquefeito
as tuas origens próximas de ti
palpáveis
embrulhado na desvelada voragem do fogo
saltas lesto para longe das chamas
que outro pecado não tens que não seja
o de seres humano
quando chega potente e vigoroso
o sopro estival das chuvas do verão
deitado na terra quente
acreditas que lhe sentes o cio