VII
e ao sétimo dia
revelam-se todos os vocábulos.
é a poesia.
é ela que tudo destapa.
e nada escapa ao primeiro léxico
dos primo poetas que no banho,
na espuma das águas irmãs
do Tigre
e do Eufrates,
mergulham na palavra única.
era quando nem fala ainda havia,
porque Babel crescia entre zigurates
do tamanho da língua antiga:
que era una.
VI
repara bem no que te digo:
é uma pena que o Alegre
não escreva poemas menos sérios
e que os sermões do Vieira caminhem,
como loucos,
do zénite e dos cardumes
ao nadir e aos costumes.
tristes estão os escamudos na água!
mudos na terra
com a mudança os homens!
sem palavras!
Foto: LNM - Ericeira
V
ninguém escreve decassílabos aos telemóveis
e muito menos tragédias.
ei-los que tocam desgarradas
nas escuras salas de cinema,
onde todos os romances são possíveis
e todas as aventuras acontecem...
as grandes e as pequenas!
não oiço rimas quebradas
aos astros no firmamento,
aos peixes no mar
e aos homens na terra.
nem à tragédia de Camões zarolho
em guerra com as Ondinas,
aflito a nadar.
Foto: LNM - Margem Sul ao fim da tarde
IV
é uma pena que não se encontrem por aí
epopeias,
rimas ,
ufanos sonetos
aos pacíficos hipopótamos
que medram nos pântanos africanos.
enquanto nas margens do lodo,
já na savana,
as hienas olham
desconfiadas e nervosas,
safadas e sorridentes.
manhosas!
Foto: LNM - Nag Hammadi
III
sabes?
é uma pena que Pessoa
não tivesse escrito poemas
ao me-tro-po-li-ta-no,
como escreveu ao sino da aldeia dele.
não podia!
porque naqueles anos sombrios
em Lisboa não havia o caruncho das cidades,
nem o funcho crescia com aroma
de Liberdade.
Foto: LNM - Deserto
II
quem o escreve crê que a poesia,
como o resto,
deve ter por norma
certamente
o politicamente correto
na forma.
como se tudo na vida fosse contido e guardado !
como um engano bem escondido
no canto de quem não diz ou canta
lengalengas,
canções de embalar,
cantigas de amigo e fados.
Foto: LNM - Jerusalém - Jardim das Oliveiras
I
perguntas-me pelas palavras certas.
e eu não sei como encontrá-las,
não consigo dar-tas
neste poema.
vi escrito que há palavras
duras,
inqualificáveis,
feias
que a poesia recusa.
repara no que digo:
que a poesia recusa!
Foto: LNM - Jerusalém - Jardim da Oliveiras
. Perto
. Frágil