Terça-feira, 30 de Novembro de 2004

Murta da mais fresca

nas águas profundas
a espera cega o regresso

ausente

não há palavras
nem cores que adocem os olhos
nem trilhos de cheiro sincero

nada é como a demora luminosa
do parto

nada fica à deriva
quando o peso da luz branca cai
como nódoa intocável
na linhagem da sorte

são cestos de lama
lodo em confronto inevitável
com verde arruda e murta da mais fresca


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 21:53
link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 29 de Novembro de 2004

Urgência

Qual taberna vertendo
caudaloso rio de vinho.

Qual Príapo arando terra alheia,
colhendo impacientemente os doces frutos
da Grande-Mãe-Natureza.

Assim estava eu.
Meio dormindo. Semi-acordado.
Quando me assaltou a urgência de estar chegado ao teu corpo.



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 11:57
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Sexta-feira, 26 de Novembro de 2004

Houve tempo

houve tempo
em que não duvidava da primavera

era luz
muita luz que de repente caía do céu

as paredes faziam-se mais brancas
e rio mais azul
as pessoas mais alegres
e o ar mais quente

houve tempo em que a primavera surgia
marcada no tempo

prenhe de cheiros que a luz rebentava
e de cores que se davam ao engenho dos olhos

houve tempo em que não duvidava da Natureza nem do Homem

houve tempo



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 16:36
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito
Quinta-feira, 25 de Novembro de 2004

Bagagem de mão


ondulantes
serpenteiam os eunucos pela cidade

as palavras já borbulham como tambores de guerra
já se distribuem as indulgências
pacientemente guardadas na bagagem de mão

indiferente ao estro prosopopeico
cultivo nos meus alegretes
não sei se nojo
não sei se pena

alegrias não



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:01
link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 22 de Novembro de 2004

Sentir o tempo


ancorados
os meus olhos adormecem
rodeados de cheiros e sons perdidos

pressinto alegrias e amarguras no cais

desprendem-se regressos e despedidas
e os prantos são nascentes que não correm
só porque vão caindo desencontrados

quando o barco se faz ao horizonte
com a cabeça entre as mãos
sentados
todos contam as horas e sentem o tempo

ah
são tantas as mágoas que vejo mesmo sem ver

ternura nos que partem sem querer partir
saudade nos que ficam sem querer ficar


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:41
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Insónias da vontade


1

deixa-me acordado no restolho macio
até que e o outono encharque os torrões
e a chuva solte o cheiro da terra

2

nas vigílias
as tristezas são insónias da vontade
e a refulgência fátua das mágoas
ao espelho
é tão messalina quanto mãe



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 01:02
link do post | comentar | favorito
Sexta-feira, 19 de Novembro de 2004

Sede


são já poucos os prodígios que hoje me batem à porta
e já nem me sobressalto quando cheiro raridades

consigo ainda expor sorrisos
quando corro a fechadura na esperança de resolver a sede

sede

sede inusitada de que não vejo o fim


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:05
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Quinta-feira, 18 de Novembro de 2004

Desde sempre


desde sempre
que no diário das marés
Neptuno escreve as arrelias do mar
a espuma
as conversas com o vento

as ondas uma a uma


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:55
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Quarta-feira, 17 de Novembro de 2004

Sinais


arámos o mar e o vento

e no deserto deixámos sinais
enquanto a ventania esteve ausente

sinais
procurá-los nas dunas é como guardar o rasto da chuva
e desvendar o mistério do cheiro húmido
das tempestades tropicais


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 11:34
link do post | comentar | favorito
Terça-feira, 16 de Novembro de 2004

Abraçar-te assim


abraçar-te assim

tanto quanto os meus olhos podem ver
ao redor da luz
branca que te protege

abraçar-te assim

tanto quanto
os meus braços conseguem
conquistar-te o corpo
e a minha voz
escoar o caminho dos teus passos

abraçar-te assim


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:46
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Caio de sono

caio de sono a teu lado

sonho com a tua voz
ouvida através do peito que me davas

doces
doces como leite são as memórias



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:21
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Segunda-feira, 15 de Novembro de 2004

Senhora dos Mistérios

Diz-me.
Diz-me quanto vale um sonho.

Porque eu cavo e busco na terra
e só tenho as mãos cheias
dos mistérios de que sou feito.

Senhora dos arcanos e da parição do mundo,
no teu colo as máquinas do medo não têm aconchego.

Diz-me.
Diz-me quanto vale um sonho...



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:11
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Aguardo


zaranzei toda a noite
até que me perdi nesta tristeza que me acossa
os dias e esconde o sabor das coisas simples

eu sei da tristeza quando escrevo com saliva
no vidro palavras nomes e oráculos auspiciosos
que escorrem com a gravidade
como se estivessem de luto

dou por ela quando nem o banho diário
que já foi baptismo me converte pela manhã

aguardo melhores dias
aguardo



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 01:04
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Quinta-feira, 11 de Novembro de 2004

No outro lado


No outro lado do oceano,
onde não governa a areia mas o verde domina,
quem habita a floresta tem dos elementos o temor que eles merecem.

Da terra têm notícia de um útero imenso
e do firmamento um espelho
onde todos os pirilampos à noite se reflectem.

Tantas formas de ver,
outras tantas de sentir e de buscar.

Onde ficamos?



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:05
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito
Quarta-feira, 10 de Novembro de 2004

Construam-me o corpo

llll.JPG

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 17:30
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

O piano que ladra

I

sei de um surrealista que traz uma cerejeira ao ombro
e mora numa corda de roupa

na cerejeira todos os dias principiam frutos
que à noite regressam às flores

II

a mulher do surrealista toca um piano que ladra

ouvem-se matilhas de acordes
quando dá concertos em família

III

o casal tem dois filhos

o segundo nasceu antes do primeiro
e ladram os dois ao piano da mãe


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 03:35
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito
Segunda-feira, 8 de Novembro de 2004

A espuma e o lastro

disseste-me
que as paixões são azenhas de maré
excessos no meio dos oceanos
que afluem como rios a todo o lado
e a nenhum

e eu
porque sei que todos os mares desaguam
ao largo numa foz imprecisa
esperei que as vagas me devolvessem
na praia
a espuma e o lastro dos meus desmandos


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:18
link do post | comentar | favorito

Numinosos degraus


numinosos degraus
de um zigurate elevado ao Seu encontro.

quem os sobe?

numinosos terraços
sempre mais longe.
alturas a que Ele nem sempre desce.

à imagem e semelhança de quem?

não!
não teria feito o Homem livre
sem condená-lo à felicidade.



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 11:55
link do post | comentar | favorito

Prodígios musicais

sentado lá cima
onde não há vento que não chegue do sol
alguém entorna estes prodígios

e enquanto a música desce
podes reter-te comigo a recato das vozes

porque ambos tememos que nos desordenem
o som genuíno dos dias
e queremos guardar o sublime e fugaz conforto dos sons
sem que ninguém os desalinhe ou corrompa



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 11:51
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Sexta-feira, 5 de Novembro de 2004

Ruas marginais

I
lanço os braços no algodão do nevoeiro
encontro suspensos os dias
desmedida a escuridão das noites

ambos sabemos que é nos caminhos nocturnos da vontade
que emergem impacientes luminárias
esculturas feitas de nada

II
antes de escutar as linhas do teu corpo
quero imaginá-lo a correr
solto
continuamente perdido nas ruas marginais da cidade

só depois as bandeiras poderão desprender a tinta
turvar o encanto do vento transparente

III
colorido
colorido só o contorno dos teus lábios
furtivos à proximidade dos meus e ao rigor da palavra



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 00:57
link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito
Quinta-feira, 4 de Novembro de 2004

As portas do farol


Aproxima-te da vida
como se ela fosse o étimo das paixões

Chega-te e lambe a cara com os dedos
que os sentidos são cinco
tantos quantas as portas do farol

E não meças o tempo
porque o teu rosto leva rugas
que as tuas mãos não podem lavar


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 23:46
link do post | comentar | favorito
Quarta-feira, 3 de Novembro de 2004

O mundo de regresso

quando os olhos se abrem
de manhã
não há luz que penetre mais no corpo que a primeira

incêndios momentâneos de cor entregam-nos o mundo
de regresso
e dissolvem-nos a ingenuidade
que o quentinho da cama nos deu

não sei não
porque acontecem à noite
no escuro
os sonhos quase todos

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:44
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Terça-feira, 2 de Novembro de 2004

Gergelim doce

o etéreo não se decompõe com o tempo
imputrescível
ergue-se em crescendo no silêncio de todas as fracções
em que a luz diária se divide

dizem que a música é feita de murmúrios
sons ordenados por tipógrafos sensíveis

dizem que os arabescos são nómadas
sedentos de tâmaras e de leite

o itinerário dos gestos de quem os desenha
pode não seguir o rasto dos orifícios das flautas
nem tampouco o lamento das ocarinas deixadas ao vento

mesmo assim
são de fios ciciados
são de filigranas de linho
são de gergelim doce
os caminhos da escrita



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 21:51
link do post | comentar | favorito

Já não há papoilas

os torvelinhos de areia também cinzelavam as nuvens
e desenhavam com elas contornos sem formas definidas

a poesia das paredes brancas cegava
porque os perfis da sombra eram margens de um rio de luz

agora os rumores da chuva já não contentam o cio da terra
e os pregões que ouço na cidade improvisam impaciências

já não há papoilas…
já não há papoilas…


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 02:13
link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 1 de Novembro de 2004

No escaparate

no escaparate
tenho os evangelhos longe dos autos de fé
arrumei-os com os catecismos
justamente nas prateleiras mais castas
vigilantes
por cima a patrística e por baixo a escolástica
em frente os delírios apócrifos
e as canonizações alquímicas

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 20:39
link do post | comentar | favorito

Tanofárion/Fontanário

eta`1,dumsoerer
vcaosabcdfghim
esmenrnonate2i
rsemtnd~hinobcr
toe~aor.deusnar
noteq?eqraepr~i
sm,erdutod´eore
oearerneoa.ojoe
egea a´errsaietd
opres´tntcd.seria
a´~rrintsesaioae
aosaseasaers,ra


1
sedento
abri a torneira do fontanário.
saíram turbilhões de letras, sinais e números,
que me encharcaram as mãos de segredos.

2
a esperança do trigo é cair à terra,
a do pólen correr ao vento.

que desejo terão as letras?


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 19:09
link do post | comentar | favorito

. ver perfil

. seguir perfil

. 17 seguidores

.pesquisar

 

.Fevereiro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
14
15
16
17

19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29


.links

.posts recentes

. A noite e as corujas

. Inverno (II)

. No Inverno ( I )

. Perto

. O Todo e as Partes

. Há dias assim (II)

. O teu retrato

. Desencontros

. Até sempre Marilyn

. Falsos ingénuos

. Nem deuses nem mestres

. À bolina...

. Frágil

. Eram teus

. O Bairro ( II )

. Sursum Corda!

. Abriremos os olhos

. O Bairro ( I )

. À sua maneira...

. Rafeirinho

.arquivos

. Fevereiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Abril 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Maio 2022

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Abril 2020

. Janeiro 2020

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Agosto 2018

. Junho 2018

. Abril 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Agosto 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Março 2017

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Abril 2016

. Janeiro 2016

. Outubro 2015

. Agosto 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Dezembro 2014

. Outubro 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Agosto 2013

. Maio 2013

. Março 2013

. Dezembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Novembro 2011

. Setembro 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Dezembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Maio 2009

. Março 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

. Julho 2006

. Junho 2006

. Maio 2006

. Abril 2006

. Março 2006

. Fevereiro 2006

. Janeiro 2006

. Dezembro 2005

. Novembro 2005

. Outubro 2005

. Setembro 2005

. Agosto 2005

. Julho 2005

. Junho 2005

. Maio 2005

. Abril 2005

. Março 2005

. Fevereiro 2005

. Janeiro 2005

. Dezembro 2004

. Novembro 2004

. Outubro 2004

.tags

. todas as tags

Number of online users in last 3 minutes
Locations of visitors to this page
SAPO Blogs

.subscrever feeds