Quarta-feira, 29 de Dezembro de 2004

Nunca

rio acima

percebo no recorte das águas
o incauto rumor das tuas mãos.

nunca os meus olhos
regressaram tão longe
nem ficaram de pousio
assim no horizonte.


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:38
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Sábado, 25 de Dezembro de 2004

Basta-me!

 

pudera eu despir-me aqui perante vós

que mesmo nu continuaria adornado

desta minha condição humana:

pedra e força bruta.

porque as faces mesmo lisas não deixam de ser rudes,

nem as arestas por mais perfeitas deixam de ser ríspidas.

 

pudera eu vir aqui fazer-vos

a critica da convicção pura

e falar-vos de tudo quanto sinto mas não digo.

 

pudera eu vir aqui expor-vos os argumentos

das razões que não sei se tenho

e de todas as opiniões que pari desde que me entendo.

 

pudera eu ser um homem sempre justo…

que as outras imperfeições carregá-las-ia de bom grado

no saco da minha consciência.

 

pudera eu dizer tudo isto e ser entendido,

e não estaria aqui convosco.

 

mas quis a fortuna que o Grande Arquitecto

permitisse que, no prefácio da narração dos tempos,

os homens nascessem  brotando do chão.

 

quis Ele que na Idade do Ouro o Sopro Criador

se confundisse com as criaturas,

que o Homem fosse o guardião das cores,

o zelador de todos os ocres e pigmentos.

 

quis Ele dar ao Homem a sede autentica mais a divina figura.

também a ousadia,  fundamento da Liberdade.

 

quis ainda a sorte que Prometeu nos desse o lume divino,

e que a caixa de Pandora, senhora de todos os dons,

se abrisse entornando contratempos.

 

desde então as ideias são como alaridos e esgrimas

e as frases soam a desconfianças bastardas.

rebuscamos  no campanário das vozes e das prosas de Babel,

a  Palavra que um dia dará forma à doutrina do entendimento humano.

catamos na multidão dos vocabulários,

nos mistérios dos catecismos,

no frágil talento dos nossos rudes critérios:

o Sopro Divino, Grande Alento, brasas de Luz a partir do nada;

a Harmonia das Esferas, caroço das perfeições possíveis;

os pedaços, na miragem de chegar ao Todo colando as partes.

 

dói olhar para um homem, vê-lo só a ele, e nem sequer todo...

dói procurar nas Borras da Fundição, olhos que vejam como os

      [nossos...

dói encostar o ouvido ao búzio e não adivinhar o sabor do sal...

dói tanto...

 

mas no dia em que o céu se partir,

as tábuas da mecânica do mundo hão de peregrinar.

nesse dia estarei convosco, para guardá-las.

 

Basta-me!


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:39
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Sexta-feira, 24 de Dezembro de 2004

O berço da tua voz

sento-me à soleira do teu corpo

quieto na vontade
e meigo nas ambições

encosto-me ao berço do tua voz

ao teu peito
de murmúrios tenros

e só eu sei

só eu sei
como adormeço






(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 00:14
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Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2004

A minha cidade


vejo arte forjada e gerânios
paredes que nascem do chão e sobem
direitas até aos beirais

não sei o que me detém

mas pressinto uma rede de luz difusa
ao largo de cada rua da minha cidade



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 09:16
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Quarta-feira, 22 de Dezembro de 2004

Eternae lux


grande ampulheta
que escoa tudo o que é efémero
em contínuas provocações e profusas brigas musicais


forja lendária dos cedros
cadinho onde foi escrita a roda da fortuna
pira onde ardem as intrigas e os enredos fermentados
no avatar de todos os ofícios e castas de fingidores


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 00:22
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Terça-feira, 21 de Dezembro de 2004

Linhas


riscos exactos
desenhos rigorosos

nas tuas mãos
as mesmas linhas que à noite descubro
coladas ao firmamento



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:35
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Segunda-feira, 20 de Dezembro de 2004

O barulho da engrenagem


1 . Atravessam-me suspeições

2 . Rodopiam as certezas
e o talento fica mudo por tal desconcerto

3 . Pior que isto só quando fui parido

4 . Quando deixei o conforto cálido e húmido
do vente da minha mãe
e enfrentei o barulho da engrenagem

5 . Do mundo a girar



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:58
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Domingo, 19 de Dezembro de 2004

Laranjais

são duas as fantasias que me tentam

o aroma dos laranjais em flor
a delicadeza vivaz das laranjas
quando rebolam
hirtas

por isso quando eu morrer
quero ser semeado num quintal de laranjeiras



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:29
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Sábado, 18 de Dezembro de 2004

Nas águas do Ganges


nas águas do Ganges,
dóceis,
sujas de oferendas,
enxuguei as minhas culpas cristãs.

entrei como quem lavra a terra
e desfiz o caminho que o rio levava.
e senti que os meus pés descalços amassavam
húmus de brasas e cinza.

caíram na corrente os meus instintos mais vis
e fiquei órfão dos meus pecados,
em paz comigo
e sem esperanças
de errar no limbo em penitências vãs.


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:05
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Sexta-feira, 17 de Dezembro de 2004

Areia


todas as conversões são ribeirinhas

exauridas as nascentes não há votos marmóreos
que não cheguem a baptismos de areia

tudo me segredaste
sem dares por isso



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 10:52
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Quinta-feira, 16 de Dezembro de 2004

Sim, resisto.

sim resisto

procuro barqueiro que me leve
ao chão através de rios colubreantes

mas detêm-me as coisas banais

e nem a cadeira sólida onde espero sentado
nem o talhe doce das pedras que trabalho
me levam em ascensão perceptível ou mística
à noosfera

sim resisto



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 00:40
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Quarta-feira, 15 de Dezembro de 2004

Jardins de pedra


há desertos que são jardins de pedra suspensos

efervesce vida nas areias
quando a lua regurgita a luz que o sol lhe entrega

e pela manhã
tórridas
regressam em caravanas abrasadoras canículas


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:20
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Terça-feira, 14 de Dezembro de 2004

Há quanto tempo?

I

caminhei até à falésia
e sentei-me quando vi o mar aos meus pés.

entre mim e ele um precipício
feito de altura,
de areia
e de espuma leve e dispersa.

bem visto
não era água que eu via,
mas vida que desembarcava na praia
e ali ficava numa espera teimosa,
permanente.

II

há quanto tempo não vejo o horizonte?

já nem sei se permanece encostado ao céu,
ora acima
ora abaixo,
sempre ao sabor das marés e à cadência das lunações…


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 01:03
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Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2004

Cada frase

quando me sentava à janela
uma claridade perfumada inundava
cada letra
cada palavra
cada frase
e toda a conversa que te escrevia

linha a linha
os meus dedos conversavam contigo
sem que desses por isso
e nem mesmo o silêncio das tuas respostas
me fazia crer que no futuro
num dia incerto
guardaria de vez as palavras comigo

não sei porque já não te escrevo

quando as linhas ainda se estendem como dantes
paralelas
equidistantes e negras nas folhas de papel

(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 01:06
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Domingo, 12 de Dezembro de 2004

Brevemente


Não consegues ver que os teus sapatos se abrem
em passos sempre maiores.

Sentes no entanto a urgência de andar e,
mesmo ágil e leve, o depois e o antes confundem-se
na medição súbita que fazes do tempo.

És veloz
És fugaz
És ligeiro

Queres na vida mais do que o compasso do tempo comporta.
Ele acontece certo,
sem precipitações no ritmo.

Tu aconteces brevemente.


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 14:30
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Sábado, 11 de Dezembro de 2004

Elementais


salpica
borrifa
e dança

que as ondinas mergulham na areia orvalhada

aquece
enxuga
e estima

que as salamandras são concubinas das luminárias

tece
lavra
e confia

que as sílfides entregam-te a verdade


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 23:36
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Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2004

A tua casca doce


ancas desnudas
intactas

sentadas na pureza dos teus pés descalços

a contraluz escurece a penugem macia da tua casca
doce

mesmo dócil
a verdura daninha não te invade o colo
latejante
ao ínfimo vestígio de mãos vadias



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 00:07
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Quinta-feira, 9 de Dezembro de 2004

Na planície


há-de sorrir o trevo
sempre que um desejo se levanta no corpo de quem passa

hão-de as tentações
ao sol
como as campainhas ondular incandescências


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 01:28
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Quarta-feira, 8 de Dezembro de 2004

Que importa


dos pontos ilimitados nascem traços
como das pedras
uma a uma
catedrais em esquadrias rigorosas

que importa
se no chão rasteiro se desenham as mágoas
e se aprumam as linhas que vemos no céu

que importa
se no desenho celeste não há imperfeições
e eu aqui procuro ser feliz

sim
que importa


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 18:44
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Segunda-feira, 6 de Dezembro de 2004

Inocência II


O vosso corpo inocente
ri à cadência dos sonhos e de sedes caladas

Na cal da vossa criancice
passa-vos ao lado que sois cancioneiros
de um encontro do astro rei com a lua

Manuscritos do instinto e do amor


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 12:29
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Domingo, 5 de Dezembro de 2004

Barro


no dizer dos velhos
as rugas são a ferrugem da pele

mas quem as desenha vê
mágoas

traços de carvão no barro do rosto



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 13:10
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Sexta-feira, 3 de Dezembro de 2004

À lua


sempre
presumimos que ao sol se marcam os corpos
que à noite se desviam

mas é à luz do dia que irrompem as vontades
e se lavram os enganos nocturnos


(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 11:20
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Quinta-feira, 2 de Dezembro de 2004

Paixões instantes


Tu sentias a Primavera nascer dentro de ti.
Germinava-te então nos seios um desejo
que crescia, crescia e depois estourava espargindo pólen.

As heras enleavam-te os cabelos
e tu deixavas o corpo ficar no envolvimento
das folhas sadias e verdejantes.

Depois da tua fonte brotavam frescuras imensas,
manavam pirilampos incandescentes,
cresciam sedes e paixões instantes.



(c)Todos os Direitos Reservados Luís Natal-Marques às 15:12
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