Nas margens de uma cidade perfeita,
um convento.
Mais de cem freiras e um padre!
Elas em penitência convicta
e o clérigo pastando o rebanho
de ovelhas mansas e devotas:
das lides divinas,
da moral de antanho,
da carne sem nódoas.
Quis o destino, ingrato,
que mesmo ao lado do convento,
no seguimento do adro e colado à capela,
existisse um palácio imponente
e que uma senhora muito liberal, alta figura, olhos de mel,
de nome Esperança e dada aos negócios,
o recebesse de herança para os seus ócios.
E fez do palácio um bordel.
Muito se rezava !
Cada qual ao seu modo e de muitas maneiras.
No convento todo o santo dia e à noite dobrava.
No palácio, de madrugada, até depois das bebedeiras
e quando o fado se cantava.
A madre superiora, lesta e asinha,
propôs ao bispo um protesto violento.
Mas sem resposta e com a pressa que tinha,
gizou com o padre e com as beatas vizinhas
mandar rezar uma dúzia de missas
para acabar com o bordel do lado.
E a todos mandou recado.
Na casa do ócio outras eram as intenções.
Acordava-se á noite para celebrar
o que no convento não se fazia:
o dar e o receber,
o pão e o vinho,
o amor e a vida.
Depois de muitas rezas e outras tantas missas,
de um quarteirão de petições ao bispo
e só de protestos mais de uma centena,
sem que o boldel dali se fosse
convidaram-se os fiéis para uma novena.
Ao nono dia, a meio do terço,
estavam reunidos na igreja os fiéis
e rezavam pela salvação das mulheres perdidas,
e pelo encerramento de todos os bordeis.
Pedia-se pela conversão da dona do bordel
ou que sobre ele caisse um raio divino,
quando desatou do céu, como nos trópicos,
trovoada, chuva e depois granizo:
como se as trombetas da queda de Babel
viessem em socorro do paraiso.
E com estrondo digno de nota
caíu um raio no palácio da má vida.
Para gáudio do padre, das freiras e devotas
fora raio divino mandado pela justiça suprema,
resultado de tanta oração e penitência
e daquela novena.
Esperança, senhora de bastantes atributos
e também de muitos segredos alheios,
atribuiu à novena aquele destino.
Demandou o convento, o padre e as freiras,
solicitou à justiça dos homens o castigo e pagamento
da reconstrução do palácio e dos aposentos
que por terra caíram por castigo divino.
E em tribunal insistiram os crentes
que desconheciam porque eram réus.
De que nada do que acontecera viera dos céus
por via das rezas, dos terços e da novena
que tinham acabado havia uma semana.
E o juiz ponderou e lavrou sentença,
muito espantado por gente de fé,
crentes convictos e rezadores de profissão
não acreditarem na intercepção divina,
por força da oração.
Enquanto que as mulheres da vida,
vendedoras de prazeres inconfessáveis,
casta de pecadoras dignas de Sodoma e de Gomorra
faziam profissão de fé, muito sentida,
na força das preces mais inefáveis
feitas por nove dias,
de seguida.
. Perto
. Frágil