Já não procuro as imperfeições
nem as quedas de água na paisagem.
Sei que as ruas ao perto são fendas
que ao longe são vales distantes,
rugas lavradas no tempo da terra.
Já não procuro os amanhãs que cantam
nem vozes versáteis em muitas oitavas.
Contento-me com as tardes, só com as tardes.
E contigo que ao sol tardio te debruças
e aguardas, encostada ao parapeito,
que a lua espreite na penumbra.
No recorte frio e misterioso da noite.
Não desisto!
Conduziram-me pelo braço ao muro
e ali fiquei.
A impotência tinha-me tolhido a vontade
e viver assim deixava-me envergonhado.
Não me vendaram porque não quis.
Queria fitar os olhos dos meus algozes,
ver neles o medo, porque os senti medrosos.
À ordem do oficial um jovem imberbe
colocou a arma ao ombro e saiu do pelotão.
Dirigiu-se a mim e colocou-me de costas,
voltado para a parede.
O muro era branco e eu não suportava tanta Luz.
Reparei que a cal mascarava sangue
e que as fendas do muro sombreavam
a claridade, como crateras.
Na cal salpicada de riscos de sangue
vi tudo quanto tinha visto,
como se abrisse o diário que nunca escrevi.
Cerrei os olhos e aguardei pelo fim.
Antes da ordem, a sombra do jovem imberbe
soçobrou e ajoelhou-se com ele.
Ergui o punho e disparei a Palavra:
Fraternidade!
Fraternidade!
Fraternidade!
E o branco tingiu-se com o meu sangue.
Mas não desisto!
Imagem: Luísa Rivera - 100 anos de solidão
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